domingo, 9 de janeiro de 2011

Ícones Americanos - Ford GT

  
    Para poder contar a história do Ford GT, precisamos falar das corridas em Le Mans. Le Mans é uma cidade francesa onde é disputada, desde 1923, as 24 Horas de Le Mans, no Circuito de Sarthe. É uma das provas mais difíceis, mas a mais tradicional do mundo. Lá, competem (e competiam) desde protótipos a versões de série, em uma corrida de 24 Horas, como o próprio nome diz, em que dois pilotos se revezam em cada carro. É muito utilizada pelas fábricas para o desenvolvimento de novas tecnologias a serem aplicadas nos próximos anos nos seus carros de produção.



   No começo da década de 60, as corridas eram muito valorizadas, principalmente pelas montadoras. "Carro que ganha nas pistas no domingo, vende na segunda", dizia-se naquela época. Henry Ford II, então presidente da Ford, queria que a empresa entrasse nas pistas, pois seria uma boa propaganda, principalmente entre os jovens. A Fórmula 1 logo foi dominada, após a empresa investir na Cosworth Engineering, que desenvolveu o motor Ford-Cosworth DFV, um motor muito bom e utilizado na categoria da década de 60 até o início dos anos 80, quando o turbo começou a dominar a categoria. Mas havia outro campeonato: o Campeonato Mundial de Marcas, com suas provas de longa duração (dentre elas, as 24 Horas de Le Mans). Para competir na categoria, Henry Ford II fez algo inusitado: tentou comprar a Ferrari. Enzo Ferrari (na foto, à direita, e Henry Ford II à esquerda) , dono da empresa, respondeu que aceitaria se ficasse com parte das ações e se ficasse no comando. Tudo ia bem até que, no dia de assinar o contrato, alguns termos no mesmo irritaram o Comendador Enzo e ele não assinou. (A Fiat comprou a Ferrari 5 anos depois, mas só porque seguira as exigências de Enzo). Mesmo assim a Ford conseguiu entrar no Campeonato Mundial.


    Na Inglaterra, Eric Broadley estava desenvolvendo um protótipo chamado Lola GT, que utilizava um motor Ford V8. Então, a Ford contratou Eric, que, junto com engenheiros como Carroll Shelby, John Wyer e Roy Lunn, desenvolveu, em 1964, um protótipo (foto) baseado no Lola Mark 6 (outro nome do Lola GT). Sem piloto ou combustível, pesava somente 830 kg, e o teto ficava a exatas 40,5 polegadas do chão (aprox. 102 cm), o que inspirou o nome do carro: Ford GT40. As primeiras unidades ficaram conhecidas como Mk I (por causa do Lola Mk 6, obviamente). Nos primeiros testes, equipado com o motor 4.2, mostrou que o carro possuía uma boa aerodinâmica, mas era instável em altas velocidades. Parte do problema da instabilidade foi resolvida antes dos 1000 km de Nürburgring (outro circuito tão famoso quanto Le Mans, localizado na Alemanha).  Apenas uma unidade competiu, e chegou a ocupar o 2° lugar, mas problemas na suspensão o tiraram da prova. Logo em seguida, 3 unidades foram para Le Mans. Mas nenhuma terminou a prova: 2 acabaram com o câmbio quebrado, por excesso de potência, e o outro GT40 se incendiou, devido a um vazamento de combustível. Nas outras corridas do campeonato, os Ford GT40 também quebraram todos.

    Em 1965, surgia o Ford GT40 Mk I A. Nada mais do que o Mk I com outro motor: o 4.7 do Ford Cobra, com potência de 390 cv (o Cobra tinha "só" 350 cv). Funcionou: com esse motor, o GT40 venceu os 2000 km de Daytona e conquistou o 2° lugar em Sebring, 2 outros circuitos do Mundial de Marcas. Utilizando o mesmo chassi e uma carroceria um pouco diferente, a subsidiária da Ford em Detroit, Kar Kraft, desenvolveu o GT40 Mk II (foto). Mas o motor não foi mantido: no lugar do 4.7, entrou um big-block 7.0, com 485 cv e 65 kgfm. Com esse motor e câmbio manual de 4 marchas, alcançou 329 km/h nos testes, um número impressionante ainda hoje. Nesse ano, 6 GT40 vão pra Le Mans: 2 Mk II, sob comando de Carroll Shelby, e 4 Mk I A, mas todos quebraram. Os GT40, até então, sempre se mostraram bem velozes, mas frequentemente quebravam.


    Entre 1965 e 1966, para conseguir homologar o GT40 como Carro Esporte de Produção, ou Grã-Turismo, 50 unidades do GT40 foram fabricadas para rodar nas ruas. Foram denominadas Mk III (foto), bem mais amansadas que as versões de pista.Com motor 4.7 e carburador Quadrijet Holley, produzia 306 cv, o suficientes para chegar aos 265 km/h. Parece que o Mk III ajudou os carros de pista: a partir de 1966, os GT40 começaram a vencer. Ganharam as 24 Horas de Daytona, conseguem os 2 primeiros lugares em Sebring e, finalmente, ganham em Le Mans. O melhor para a Ford: ganharam os 3 primeiros lugares com os Mk II, foram os primeiros americanos a ganhar as 24 Horas de Le Mans e acabaram com a hegemonia da Ferrari. Acabaram mesmo: nunca mais uma Ferrari ganharia as 24 Horas de Le Mans a partir daquele ano.



    Em 1967, algumas alterações aerodinâmicas no GT40 Mk II garantiram o 1° lugar nas 24 Horas de Le Mans, com uma incrível média de velocidade de 218 km/h. Nas provas antes de Le Mans, uma versão do GT40, chamada Mirage Ford, competiu e ganhou. Ele era mais leve, tinha motor 5.7 e possuía um bom câmbio ZF, mais resistente.


    No ano seguinte, 1968, o regulamento mudou, limitando o tamanho dos motores até 5 litros (5.0, ou 302 pol ³). A Ford se retirou oficialmente das pistas, mas os GT40 não. Eles continuaram a competir para empresas menores, como a petrolífera Gulf (foto, um Mk II). Com o patrocínio da petrolífera, o engenheiro John Wyer (um dos projetistas) melhora os freios e os pneus de um GT40 e coloca um small-block de 302 pol ³ de 425 cv (suficientes para atingir 350 km/h na famosa reta Mulsanne, de 6 km, em Le Mans). Esses carros foram chamados de GT40 Mk IV. E foi com um deles que os GT40 ganhavam a sua 3ª edição das 24 Horas de Le Mans. E mais: o mesmo carro que ganhou em Le Mans em 1968, ganhou no ano seguinte, 1969 (o chassi nos dois carros era o mesmo, número 1075). Além da Ford, apenas a Porsche conseguiu fazer isso novamente, anos depois.



    Mas nem sempre ganhar em Le Mans significa ganhar o campeonato: em 1969, por exemplo, o título do Mundial de Marcas foi para a Porsche. Ainda nesse ano, as regras do campeonato mudaram novamente e o Ford GT40 ficou fora das especificações, não podendo mais competir em 1970. Dizem que foi o jeito encontrado pelos europeus de tirar o americano das provas... Na foto, Carrol Shelby ao lado de um Mk IV.


    Em 1970, a Ford tentou entrar novamente no Campeonato Mundial de Rali (sucessor do Mundial de Marcas) com o Ford GT70. Dessa vez, o número no nome não representa a altura, mas o ano em que fora projetado (1970, mas só foi apresentado em 1971, no Salão de Turim. Nesse período, o projeto foi desenvolvido secretamente). Mas alguns problemas tornaram a vida dele bem curta. Devido à mudanças de regulamento, o GT70 não pode competir.O segundo, e fatal, foi uma greve de trabalhadores durante dois meses. Essa parada diminui muito o lucro da montadora, já que parou a produção de vários carros. Com isso, muitos projetos foram cancelados, como o GT70. Apenas 6 unidades foram produzidas. Algumas até competiram, mas sem êxito, tendo uma delas se acidentado, dando perda total. Anos depois, as outras 5 unidades voltaram para a Ford. Até hoje, só se sabe a localização de duas unidades: uma foi restaurada, e outra está no museu da Ford alemã.


    E a Ford ainda não esqueceu o nome GT: em 1995, no Salão de Detroit, era apresentado o Ford GT90. Não passou de um conceito, mas serviu como guia para o design dos próximos Fords. Inaugurou o estilo chamado "New Edge". O desenho do protótipo impressionou a imprensa na época, por combinar elementos geométricos e curvas, em linhas bem harmoniosas. Na época, em relação à desempenho, conseguiria bater fácil seus concorrentes, se fosse fabricado: com um impressionante V12 quadriturbo de 720 cv e 91,4 kgfm, ganharia fácil das Ferrari F50 (520 cv e 48 kgfm) e dos Lamborghini Diablo GT (575 cv e 64,3 kgfm). De acordo com a Ford, o carro faz de 0 a 100 km/h em menos de 3 s, e chega aos 380 km/h de velocidade máxima, contra 3,8 s e 325 km/h da Ferrari e 3,8 s e 338 km/h do Lamborghini. Hoje em dia há carros mais rápidos, mas, naquela época, eram números mais que impressionantes.


    Tinha tração traseira, câmbio de 5 marchas e um aerofólio que alterava seu ângulo e altura conforme a velocidade. Foi construído em um chassi de alumínio tipo colmeia, e a carroceria era de fibra de carbono. Para isolar o calor gerado pelo motor da cabine, materiais como cerâmica foram utilizados.Os planos da Ford eram produzir 100 unidades, mas apenas 1 foi fabricada oficialmente, e se encontra na Divisão de Veículos Especiais da Ford. Especula-se que outra unidade foi fabricada, mas nada foi confirmado.


    Em 2002, finalmente um conceito com o nome de GT que entrou em produção. E esse lembrava, e muito, o GT40 original. Ele apareceu no NAIAS (Salão de Detroit) e logo animou muito os fãs. 45 dias depois do NAIAS, a Ford oficializa que irá produzir o modelo. Antes disso, vamos falar um pouco mais sobre o conceito. Ele foi desenhado por um dos estúdios da Ford, o Living Legends. Antes mesmo de a Ford anunciar a sua produção em série, ela já era esperada, afinal, o conceito estava bem "completo", digamos assim. Possuía 2 lugares e motor V8 do Mustang modificado, aumentado para um 5.4, em alumínio, com cárter seco e mais uma série de modificações, que elevaram a potência para 500 cv e 69 kgfm, acoplado a um câmbio manual de 6 marchas e, obviamente, com as rodas traseiras tracionando. Rodas de aro 18" na frente e 19" atrás, freios a disco ventilados, chassi tipo spaceframe em alumínio, carroceria em plástico e fibra de vidro e portas com abertura normal, mas que "levam" parte do teto ao se abrirem, como as portas originais do GT40, completam o conjunto. No interior, no conceito relativamente futurista e luxuoso, bancos tipo concha e uso de alumínio em várias partes do painel.


    E o Ford GT veio em boa hora para a Ford. Ela estava passando por uma crise, e logo ela comemoraria seu centenário. No dia 13 de junho de 2003, dia da festa do centenário da marca americana, 3 Ford GT aparecem na festa em sua versão de produção. Foi chamado pela Ford de Centennial Supercar (algo como supercarro do centenário, da Ford, obviamente). A versão de produção não era tão diferente do conceito, apenas sem o ar futurista, comum aos conceitos. A festa acabou sendo o lançamento do carro, pois pouco tempo depois ele começou a ser vendido. Em 2005, surgiu, no SEMA (um Salão de tunning, que acontece anualmente nos EUA), o Ford GTX1 (foto), a versão roadster do GT. Ele foi feito pela Gennadi Design (com o apoio da Ford e do SVT - Special Vehicle Team, que prepara os carros da Ford, assim como a AMG para a Mercedes, por exemplo), que retirou o teto de 100 unidades (embora o plano fosse de fazer isso com 500 unidades). Além do teto, a potência passou para 700 cv, com algumas alterações no motor.


    O Ford GT, como todos os outros carros que se tornaram lendas, teve (e ainda tem) várias réplicas (na maioria das vezes, fiéis ao original) feitas ao redor do mundo. Boa parte das réplicas costumam ter a mesma pintura dos GT40 da Gulf, nas cores azul e vermelho. Algumas réplicas foram e ainda são feitas no Brasil. Confira uma delas clicando aqui. Muitas preparadoras também fizeram as suas versões do Ford GT mais potentes que os de fábrica (nesse caso, do mais atual), e até com peças que imitavam as originais, como as rodas de cubo rápido, dentre outros. Também há as réplicas fiéis ao original, mas mais potentes. Resumindo, réplicas para todos os gostos.


    Depois de apenas 3 anos de vida, muitas unidades preparadas e várias em corridas ao redor do mundo (inclusive algumas na GT3 Brasil), o último exemplar foi fabricado, após 4038 unidades fabricadas. Desde então, o Mustang Shelby GT500 se tornou o esportivo topo de linha da Ford. Pelo menos os fãs ainda poderão comprar um GT40, devido às réplicas do GT40 feitas pelo mundo inteiro. Recentemente, a Ford anunciou que o Ford GT pode ter um substituto, em alguns anos. Mas ele provavelmente será um modelo com forte apelo ecológico. Ou seja, pode ser qualquer tipo de carro (sedã, crossover...). E, se tiver forte apelo ecológico, dificilmente será um esportivo. E, se for, com certeza não agradará aos puristas, que preferem o GT40 sem muita tecnologia, mais parecido com o original.


    O Ford GT com certeza é um dos poucos carros que se pode chamar de mito. Como todo mito, não sairá da cabeça de muitos fãs. É um verdadeiro Ícone Americano. Vamos torcer que seu sucessor seja realmente um GT...
    Até a próxima!

Nota: Durante a escrita desse texto, achei muitos textos divergentes quanto a alguns fatos. Também achei várias fotos diferentes que diziam ser do mesmo carro (o Mk IV, por exemplo). Considerei o texto da Quatro Rodas como mais confiável, e as fotos eu fui pela "maioria" que eu vi nos sites. Me desculpem po eventuais erros.

Fontes:
Quatro Rodas Especial Clássicos, Ediução 3, págs. 14 a 21.
http://www2.uol.com.br/bestcars/supercar/gt40-1.htm
http://www2.uol.com.br/bestcars/classicos/gt40-1.htm
http://www.conceptcarz.com/vehicle/z8407/ford-gt.aspx
http://direita3.wordpress.com/dossiers/bizarros/ford-gt70/
http://www.envenenado.com.br/super/gt90/gt90.html
http://www.envenenado.com.br/mitos/lamborghini/diablo_gt.html
http://www.envenenado.com.br/mitos/f50/f50.html
http://www.noticiasautomotivas.com.br/ford-gt-tem-sua-producao-encerrada-hoje-snif/
http://www.noticiasautomotivas.com.br/o-ultimo-ford-gt-sai-da-linha-de-montagem/
http://www.jalopnik.com.br/conteudo/o-primeiro-ford-gtx1-do-mundo-esta-venda-por-930-mil-reais-vale-tudo-isso
http://www.clubedonovoka.com/t2005-ford-gtx1-veja-o-design

Imagens:
http://www.automobilemag.com/features/racing/0909_henry_ford_ii_vs_enzo_ferrari_great_rivalries/index.html
http://ultrapassagem.wordpress.com/2010/10/03/tradicao-no-automobilismo-le-mans/
http://www.autowp.ru/ford/gt/

Nenhum comentário:

Postar um comentário